Decadência não é evolução

Carlos Ramalhete
10 min readJan 24, 2018

--

No fim de Roma a fixação em sexo e glutonaria também dominava. Toda decadência é igual.

É fácil convencer-se de que o que mais se desejaria ver acontecer é verdade, ainda que para isto seja necessário tomar campanhas de propaganda por notícias de fatos. Um exemplo claro disso eu tive estes dias, quando recebi, numa dessas redes sociais, algumas respostas curiosíssimas a postagens minhas. Seu autor, evidentemente, não concorda com nada do que escrevo, e aparentemente resolveu me seguir apenas para — no seu mundinho mental — “tripudiar” de mim, já que pela sua percepção eu seria alguém que teria “ficado para trás” numa “evolução” da sociedade rumo a alguma utopia pansexual — o sujeito parece torcer pelo aumento dos casos de travestismo público como outros torcem por times de futebol. As reações do sujeito eram tão curiosas que resolvi me dar ao trabalho de estudar não só a a elas, mas ao universo mental que as forma.

Chega a ser engraçado, quando se presta atenção, ver como a vanglória dos militantes da perversão se baseia não na realidade, mas nas campanhas de propaganda pró-depravação, estas sim muito numerosas e bem pagas, que aparentemente tomam por realidade. No mundo de fantasia deles, ao que tudo indica, os supermercados são locais de orgias com bodes, carrinhos de mão e anões besuntados, os sinais de trânsito das megalópoles dão o ritmo da movimentação sexual e as criancinhas do jardim de infância mudam de sexo três vezes antes da hora da sesta, como a Rainha de Copas de Alice no País das Maravilhas, que acreditava em três impossibilidades toda manhã só por exercício.

As vítimas da confusão entre os seus desejos depravados e a realidade, essa pequeníssima população de uns poucos guetos urbanos, não têm a menor noção do que está acontecendo na sociedade como um todo, nem em termos históricos (de séculos) nem em termos políticos (de anos, no máximo poucas décadas). Que haja gente assim perdida não é de se espantar, dada a péssima qualidade do ensino atual. O que me preocupa, contudo, é a possibilidade bastante real de haver gente boa a cair nessa esparrela, sentindo-se desesperançada ao ver militantes fantasiosos arrogantemente apresentando-se e aos Pablos Vitares da Globo como se fossem a vanguarda do proletariado, ops, da revolução, ops, do futuro. Um futuro hipersexuado, em que passar de mão na mão a aquilo na mão e daí a aquilo naquilo faça as vezes de dizer “bom dia”. Por isso, resolvi escrever esta breve apresentação da situação atual da sociedade, especialmente no que diz respeito às invencionices contrárias à natureza que vêm sendo vendidas como “evolução”.

O primeiro ponto a lembrar é que a natureza humana é imutável. Ninguém nunca, jamais, conseguiu mudá-la. Ela pode ser aperfeiçoada, com enorme dificuldade e trabalho, com o auxílio da graça divina: assim temos os santos. Mas mesmo eles continuaram tendo, até o último dia na terra, a mesma tendência a pisar na bola que todos nós temos, os mesmos desejos desordenados, etc. Eles apenas conseguiram, graças a Deus, vencê-los e agir corretamente, não modificá-los ou fazer com que cessassem de existir. Esta natureza humana inclui, entre outras coisas, o modo como nos alimentamos e o modo como nos reproduzimos. Afastar-se da natureza leva sempre a consequências desagradáveis, como as que ocorrem fatalmente com quem venha a desviar qualquer uma dessas funções de seu fim precípuo — como, por exemplo, quem come e vomita tudo o que comeu para não digerir a comida, com medo de engordar, ou quem se envenena com anticoncepcionais ou, pior ainda, se entrega a perversões em que a geração de uma nova vida é simplesmente impossível. A natureza sempre acaba ganhando, a médio e longo prazo: é possível forçar-se contra ela por um curto período, mas depois ela voltará com mais força ainda. Sempre. A ação antinatural, assim, é inevitavelmente algo de curta duração (uma ou duas gerações no máximo, quando na decadência de uma sociedade ela passa a ser imposta à população, como no caso atual), sendo inexoravelmente seguida por um retorno com força redobrada à normalidade alimentar, sexual, social, etc.

O segundo ponto é que as sociedades e civilizações têm prazo de validade. Toda sociedade chega a seu auge e decai; algumas mais rapidamente, outras mais lentamente, mas toda sociedade chega a um fim. E o fim de toda sociedade é sempre parecido, porque toda sociedade, de uma certa forma, é a mesma coisa.

A sociedade é o mecanismo pelo qual as pessoas auxiliam-se mutuamente para não se deixar levar pelas piores pulsões da nossa natureza decaída. Como as pulsões são as mesmas, as soluções sociais sempre acabam sendo parecidas. Em toda parte temos famílias, no mais das vezes monógamas, fiéis, com laço indissolúvel na prática senão na teoria, etc. Em toda parte temos sistemas judiciais, em geral com pessoas idosas passando julgamento sobre ações antissociais e dando-lhes justa punição. Em toda parte temos a organização do trabalho que possibilita que quem trabalha coma e viva com alguma dignidade. O que muda de uma sociedade para a outra é muito menor que o que é sempre comum, no fim das contas.

Senhoras jogando cartas, uma mocinha cuidando de crianças, um altar doméstico ao fundo… Toda civilização saudável também se parece.

Quando estamos vivendo em uma sociedade em boas condições, assim, temos mecanismos que nos ajudam a controlar nossa sexualidade, nossa cobiça, nosso orgulho, nossa vanglória, nossa gula… Já se a sociedade não funciona mais, se ela está em pleno processo de decadência, inexoravelmente o apelo das mais baixas pulsões da nossa natureza se fará mais uma vez importante. Numa sociedade em decadência — qualquer que seja ela; isso pode ser observado pelo estudo histórico do fim de cada sociedade — o masculino e o feminino se confundem, as perversões sexuais aumentam, a gula torna-se um problema social grave, o orgulho passa a ser considerado boa coisa, e por aí vai. Basta ver, por exemplo, nas imagens abaixo, a diferença entre um rei medieval — de uma sociedade no seu auge — e um rei absolutista, com sua peruca empoada, suas roupinhas coloridas e saltos altos. Não é difícil perceber qual é o decadente ali. O mesmo se pode notar na Queda de Roma e em inúmeras outras ocasiões históricas; todo fim de sociedade é igual, com os mesmos apelos ao mais baixo e ao antinatural, a serem seguidos após o colapso final da sociedade, que eles anunciam, por um retorno forçoso à normalidade e ao que é natural.

Carlos Magno, Rei da França medieval. Um líder numa sociedade no seu auge.
Luís XV, Rei da França já tremendamente decadente, às vésperas da revolução. A Globo aprovaria sua aparência.

O terceiro ponto é algo que diz respeito específico à sociedade tremendamente decadente em que vivemos agora. A sociedade moderna tem como marca e nota maior a sua tendência à centralização excessiva: toda a modernidade consistiu em uma busca de centralização do poder, no mais das vezes acompanhada de uma forte campanha, no mais das vezes violentíssima, contra os poderes e autoridades que viessem a resistir a esta centralização. Daí os genocídios que marcaram a formação dos estados nacionais da modernidade, com que se tentou destruir as instâncias de poder que não se adequavam ao novo modelo centralizador. Na Europa, a modernidade levou à destruição centenas de línguas e dialetos locais, substituídos pelas línguas “nacionais” modernas — francês, espanhol, italiano, alemão, etc. É interessante, para nós que estamos situados na periferia da modernidade, perceber que muitos dialetos europeus que foram extintos pelos Estados modernos nos seus lugares de origem continuam sendo falados no Brasil pelos descendentes de imigrantes.

Estes três pontos, juntos, nos indicam a mais perfeita percepção do que está em curso na sociedade atual. Temos, em primeiro lugar, uma sociedade em decadência avançada, avançada ao ponto de não ser mais capaz de oferecer às populações que a constituem um conjunto de normas sociais comuns que possibilitem a vida pacífica. Que esta sociedade está perto do colapso final percebe-se claramente pela confusão entre masculino e feminino (um sinal que sempre marcou a iminência do colapso civilizacional), pelo apelo constante às mais baixas pulsões (especialmente sexo e gula, mas também vanglória, orgulho, vaidade, etc.), e pela incapacidade dos Estados (cerne da modernidade) de exercer suas funções precípuas. Esta sociedade, assim, vê-se sem mecanismos de defesa contra os apelos às mais baixas pulsões humanas, às fraquezas mais facilmente exploráveis de nossa natureza marcada pelo pecado de Adão. Assim, o que mais aparece é picareta vendendo prazer sexual (de todos os tipos; quanto mais perverso, melhor. E tome pílulas para conseguir uma ereção, outras para não haver reprodução, outras para inibir as constantes contaminações por doenças sexualmente transmissíveis…), vendendo gula (comidas que não engordam! Doces em farta quantidade! Refeições prontas em segundos!), vendendo orgulho e vanglória (quantas cores de tinta de cabelo e esmalte existem? Quantas roupas e sapatos desnecessários uma pessoa de hoje compra ao longo da vida?), e por aí vai. Os mecanismos sociais que deveriam servir para manter a sociedade unida em torno daquilo que a faz capaz de crescer e perpetuar-se (a família, o trabalho, a religião…) são desviados para trabalhar contra aquilo mesmo.

E, finalmente, numa sociedade cuja nota mais evidente sempre foi o hipercentralismo, a perversão dos mecanismos sociais vai acontecer não onde eles deveriam normalmente atuar, ou seja, na sociedade propriamente dita, mas nos focos da hipercentralização. Assim, numa sociedade em que a centralização em estados nacionais não consegue mais se manter, com os chefes de governo nacionais cada vez menos capazes de controlar ou ao menos dar paz à vida de seus súditos, surgem instâncias supranacionais e supraestatais, como a ONU e as miríades de organizaçõezinhas que dela fazem parte, auxiliadas, retroalimentadas e fortalecidas por grandes conglomerados de imprensa (Globo, CNN, etc.) e ONGs (IPPF, Fundação Ford…), e o ecossistema formado por esses monstros modernos impessoais vai se colocar a serviço, justamente, da fixação com pipi-cocô-meleca que toma conta de toda sociedade em decadência, que não consegue deixar de prestar uma enorme atenção à própria genitália e às extremidades do aparelho digestivo.

Temos, assim, um discurso monomaniacamente preocupado com sexualidade perversa que rebomba de cima abaixo da parte dessas três instâncias da hipercentralização moderna, sem que ele tenha, contudo, nenhuma capacidade de modificar a realidade da população. Na prática, a sua única função é a de alarme, avisando a todos os que tenham tido o trabalho de abrir um livro de História que o colapso completo desta sociedade está se avizinhando a passos largos (daí as senhoras que dizem que é o fim do mundo, confundindo o mundo e a civilização mas no geral tendo razão). Para o grosso da população, a apologia constante da perversão vinda dos mesmos meios centralizadores que são incapazes de impedir dezenas de milhares de assassinatos por ano acaba sendo percebida apenas como algo vagamente irritante, que nem em sonhos conseguiria efetuar de algum modo a transformação da sociedade que pareceria almejar.

Mais ainda: a transformação desejada é impossível, por ser na prática equivalente ao desmanche da sociedade. A substituição dos laços sociais de proteção da família, do trabalho, etc., por campanhas em prol da substituição da família pela promiscuidade sexual, preferencialmente com pessoas com quem seja impossível gerar uma nova vida, que deveria ser a função precípua do exercício da sexualidade, as campanhas em prol de dietas em que se come loucamente, ou besteiras quaisquer do mesmo gênero, na prática, atuam apenas para desmanchar as próprias bases do sistema que tem, em seu topo hipercentralizador, os loucos que tentam construir essas distopias. Assim, quanto mais campanha pró-travestismo, menor a chance de um dia se “alcançar” (ou construir, ou o que seja) uma sociedade em que rapazes de vestidinho de chita sejam considerados moçoilas em flor. Essa sociedade é impossível, e o esforço empregado em construí-la na verdade serve apenas para fazer com que os que fazem esse esforço percam a autoridade e o poder de fato. Assim apressa-se a sua queda, e o surgimento subsequente de outra sociedade de que nada sabemos senão que ela terá uma ênfase forçosa no natural, em resposta às tentativas de dobrar e violar a natureza que marcam o fim desta sociedade em que vivemos. É sempre assim que ocorrem os fins de civilização.

Deste modo, não faz sentido absolutamente algum achar que a sociedade teria “evoluído” no sentido de uma suposta “aceitação da transexualidade” dentro de um quadro social estável e próspero, que não existe mais e só voltará a existir quando outra sociedade se levantar por sobre os escombros desta. O que está acontecendo é o oposto: nossa sociedade está se desmanchando tanto e tão rápido que até mesmo uma perversão completamente fora de qualquer parâmetro, como esta, passa a ser vendida como se fosse uma coisinha linda do pai, o que, por sua vez, acelera tremendamente o processo de decadência da sociedade. Os resultados disso se podem ver em vários outros aspectos da mesma sociedade, como a criminalidade galopante, a incapacidade dos governantes de prover até mesmo os serviços mais básicos, a crescente exploração do trabalhador, os desastres ambientais, etc. Tudo isso é parte do mesmo pacote de decadência, e tudo isso aumenta e é fortalecido por processos de desmanche social como os atualmente em curso através da propaganda da perversão vinda das instâncias hipercentralizadoras deste fim da modernidade.

Assim, para que se possa entender o que está ocorrendo, basta substituir “evolução” por “decadência”, ou mesmo “apodrecimento” da sociedade. Fica mais fácil perceber tanto as causas quanto os efeitos de cada maluquice, de cada “lacração” contrária à própria natureza humana que encontramos por aí. E, claro, fica mais fácil manter a calma. Não sabemos o que há de vir após o fim desta sociedade, assim como ninguém no fim de Roma podia prever o Medievo. Mas sabemos de uma coisa, com certeza: não será uma sociedade de lacradores, em que os sexos e espécies seriam intercambiáveis. Muito pelo contrário: a decadência atual está vergando o bambu da natureza, e ele vai voltar com força. A natureza humana tem limites muito estritos, e eles já foram mais que ultrapassados. A julgar por absolutamente todos os precedentes históricos, que não são poucos — inúmeras sociedades já decaíram, já apodreceram como a nossa está apodrecendo agora — o que virá será uma reafirmação do masculino e do feminino, da família, de tudo, em suma, que é natural e a decadência tenha vindo a tentar vitimar. E quanto mais força as instâncias hipercentralizadoras da modernidade colapsante fizerem para trocar a sociedade por perversão, mais rápido seu colapso final ocorrerá. É óbvio, para quem já se deu ao trabalho de sair da bolha em que vivem os provincianos temporais, que nada conhecem da história da humanidade e que se acham capazes de mudar a natureza humana. Sempre os houve, e eles nunca duraram muito.

--

--

Responses (1)