Recuperar a música litúrgica

É uma prioridade máxima se queremos sacralidade perceptível na liturgia

Carlos Ramalhete
16 min readJan 17, 2019
É assim que se faz

Para ajudar a solucionar os problemas litúrgicos, uma das medidas mais essenciais é entender o que eles são e de onde eles vêm. O que temos na maior parte das paróquias hoje em dia é, antes de qualquer outra coisa, uma tremenda falta de sacralidade. Desde maus hábitos, como palmas — apontadas por Bento XVI como sinal claro da perda do sentido da liturgia — ao abuso cotidiano de Ministros Extraordinários da Comunhão Eucarística, tudo aponta para a mesma perda quase absoluta de sentido do sagrado. É por não haver sentido do sagrado que simplesmente não faz sentido, para muitos membros de pastorais litúrgicas, ministérios de música e assemelhados, a insistência da Igreja na necessidade do silêncio. Na igreja onde todo domingo participo na medida de minhas parcas possibilidades da Santa Missa, há na porta principal um belíssimo vitral com a palavra “silêncio”. Lá dentro, contudo, o silêncio não existe. Durante a Missa, ao contrário, uma farta aparelhagem de som faz com que me seja necessário muitas vezes usar protetores de ouvido para não sair com dor de cabeça. Fora dela, os mesmos alto-falantes tocam, sem parar, músicas melosas. Silêncio, que é bom, nada.

Mas a Missa é o cerne da vida cristã. Não há cristão sem Missa, pois é nela que encontramos Nosso Senhor e O recebemos, e é nela que o ato conjugal místico do Cristo e de Sua esposa, a Igreja, gera os frutos de graça pelos quais podemos ser salvos. E é em busca de um modo de ajudar as paróquias a recuperar a sacralidade que a maior parte delas perdeu nas suas celebrações litúrgicas, contra as ordens expressas da Santa Sé, que escrevo estas linhas.

Um ponto crucial que é preciso perceber é a diferença entre música sacra e música profana. São coisas radicalmente diferentes, ainda que hoje em dia muita música profana, apenas por ter letras de cunho religioso, seja encarada por muitos como música sacra.

Ora, a música sacra é nossa, é católica, e é ímpar, totalmente diversa da música profana. Herdamo-la com a Promessa de Deus para seu povo Israel; os salmos são nossos, pois o rei Davi os compôs para o culto verdadeiro a Deus, que está hoje na Igreja. O Papa Gregório Magno, ao estabelecer as bases formais da música sacra (daí a expressão “gregoriano” para referir-se ao canto próprio da Igreja), apenas formalizou o que já antes existia e fora herdado de nossos ancestrais na religião.

O instrumento por excelência da música sacra, conforme a Igreja sempre ensinou e, mais ainda, conforme ela sempre mostrou (pois não há ensino melhor que o que é feito pelo exemplo) é o órgão de tubos. O órgão sempre foi instrumento caríssimo, sendo não pouco frequente que a igreja fosse construída em torno dele. Hoje, todavia, há órgãos eletrônicos que imitam os de tubos e suprem perfeitamente as necessidades da maior parte das igrejas. Com um deles é possível ter-se música sacra de qualidade, com pouco dispêndio monetário, ao alcance até mesmo das paróquias mais pobres. Um órgão novo, com garantia, pode ser comprado por menos de três mil reais no momento em que escrevo (janeiro de 2019). Cabe lembrar que o órgão a que me refiro não é o teclado simples, sim o instrumento que além de dois ou mais teclados manuais é dotado de ao menos uma oitava de pedaleira, que permite ao organista a emissão ininterrupta de sons graves afinados, sumamente conducentes à sua função de suporte do canto. Este é o instrumento litúrgico por excelência.

O que não se pode de forma alguma aceitar é a presença de conjuntos ou bandas de música popular, com violões, guitarras, baterias e outros instrumentos completamente inadequados para o culto divino. Afinal, ensinou-nos S. Pio X que uma composição religiosa será tanto mais sacra e litúrgica quanto mais se aproxima no andamento, inspiração e sabor da melodia gregoriana, e será tanto menos digna do templo quanto mais se afastar daquele modelo supremo (Tra le Sollecitudine, 3). Música ritmada e instrumentos de percussão são a negação da música sacra.

E este órgão, quem irá tocá-lo? Sugiro para isso que a igreja faça o mesmo que se faz para comprar flores para a decoração do altar ou produtos adequados para a manutenção dos bancos, e se pague alguém. Que se contrate um organista. É bem verdade que há sempre gente interessada em tocar seu violão ou soltar o gogó nas Missas, mas a Deus devemos dar o que é nosso melhor, não “dar um jeito” com incompetentes. A música, assim como a pintura, os arranjos florais, a faxina e todos os outros serviços da paróquia, é um trabalho. E negar a um trabalhador sua justa paga é um dos quatro crimes que bradam aos Céus por vingança! E mais: este organista, e este órgão, devem ser usados não apenas para as celebrações litúrgicas; ao contrário: o organista deve ter como parte integrante de sua missão, para a qual deve receber uma justa paga, lecionar o órgão, de modo a formar vários outros organistas para a paróquia. Assim, aos domingos, em cada Missa poder-se-á ter um organista diferente, para a maior glória de Deus.

Quando decidi, após décadas de vida musical dedicada aos instrumentos de sopro, aprender a tocar piano (que não é um instrumento litúrgico) e órgão, procurei na internet material de estudo deste último instrumento, o instrumento católico por excelência. Qual não foi a minha tristeza ao perceber que todo o material que encontrei, sem exceção, provinha de comunidades eclesiais separadas. Muito do material, inclusive, apresentava gradações de estudo, de tal forma que o aluno iniciante pudesse acompanhar apenas este ou aquele tipo de culto, estando outros tipos restritos aos alunos mais avançados e outros, ainda, apenas aos verdadeiramente proficientes. É um modelo que deve ser adaptado pelo organista e professor às paróquias, mas que é em sua base sumamente justo. O estudante avançado pode tocar coisas que não estão ao alcance do médio ou, menos ainda, do iniciante. O pagamento dos organistas, inclusive, deveria ocorrer também em função desta escala. O organista principal deveria, logo de cara, ser encarregado da Missa principal e mais solene do domingo, qual seja, a que ocorre por volta das dez horas da manhã. Idealmente, ao menos partes desta Missa deveriam empregar o latim, a língua litúrgica de nosso Rito. Melhor ainda seria se esta Missa pudesse chegar um dia a ser celebrada habitualmente como Missa cantata na forma clássica do Rito Latino, para aumentar ainda mais a perceptibilidade do sagrado.

O organista, ou outra pessoa igualmente contratada, também deveria ter como missão a formação de uma Schola Cantorum paroquial, seguindo nisso o que foi apontado pelo Concílio Vaticano II e pelos Sumos Pontífices S. Pio X, Pio XII, S. João Paulo II e Bento XVI. O ideal é que — como manda o Concílio — os fiéis sejam capazes de participar “ativamente nas funções sagradas que se celebram com canto” gregoriano (SC 114). A língua própria do canto gregoriano é o latim, e não se pode falar de canto gregoriano quando é usado o vernáculo. Pode-se, contudo, usar melodias gregorianas adaptadas para a liturgia vernácula como meio-do-caminho; no Brasil, temos o excelente apostolado do blogue Inspirado no Gregoriano (http://inspiradonogregoriano.blogspot.com/), que faz esta adaptação e a deixa disponível para uso nas paróquias. Do mesmo modo, um coro treinado pode e deve saber cantar com melodias gregorianas próprias as antífonas e demais partes da Missa, usando contudo o texto vernáculo se for o caso. Mesmo assim, seria sempre um alvo a buscar em um espaço relativamente breve de tempo (um ou dois anos) a formação de uma Schola Cantorum capaz de cantar as melodias próprias da liturgia latina, na sua língua original, ao menos na dita Missa dominical mais solene.

O que deve ser cantado é a Missa; cante-se a Missa, e jamais se cante na Missa. Isto significa, na prática, que o coral e o organista devem preparar, a cada domingo, o canto das antífonas e demais partes móveis da liturgia, assim como das partes fixas, para que nenhuma música que não esteja no Missal venha a ser usada. Quem canta bem, dizia Sto. Agostinho, reza duas vezes. E a música litúrgica deve, por excelência, ser a música da própria liturgia, devendo-se evitar ao máximo o uso de canções profanas de tema religioso quando o labor vai justamente no sentido de recuperar a sacralidade da celebração. Para este fim, a própria paróquia ou, idealmente, a diocese, deve preparar material de apoio, como folhetos completos com as antífonas e, se possível, a partitura do canto.

Aliás, um outro fator importante na participação dos fiéis no canto — e na sua facilitação — é a estrutura melódica e rítmica da música a ser cantada, bem como sua adequação à letra (ou vice-versa). No canto gregoriano, a voz jamais dá grandes saltos, de mais que uma terça ou quarta (de dó a mi ou a fá, por exemplo). Com isso, a melodia literalmente flui, subindo por degraus pequenos que estão ao alcance mesmo de vozes destreinadas. Tal não é o caso de muita música profana com tema religioso que hoje em dia se toca durante as Missas. Elas têm pulos melódicos enormes e imprevisíveis, que a maioria dos fiéis simplesmente desiste de tentar acompanhar. Do mesmo modo, no canto gregoriano há uma ou mais notas por sílaba. Como diz a piada, a palavra “glória”, para nós católicos, tem dezoito sílabas. Já na música profana com tema religioso, é comum que se venha cantando uma sílaba por tempo, e bruscamente a velocidade dobre e se tenha que cantar duas ou mesmo quatro sílabas num tempo só. Outra coisa que dificulta o canto. A música da liturgia tem que ser cantável. Assobiável. Fácil melodicamente, para que quem não tem treinamento musical possa cantar sem problemas. Ela não pode dar pulos melódicos nem rítmicos, não pode demandar agudos inatingíveis por vozes comuns, etc. Usar músicas assim (ou seja, músicas que se afastam tremendamente do gregoriano, que há de ser sempre a referência) é na verdade uma forma de afastar dos fiéis do canto. É tanto maior a participação dos fiéis no canto quanto mais ele se aproxime do gregoriano. Basta ver como, por exemplo, o grande Amém após o Per Ipsum é comumente cantado por toda a assembléia de peito aberto usando-se melodia derivada do gregoriano (e portanto adequada ao uso litúrgico), muito mais fortemente que as músicas profanas de tema religioso tocadas durante outros momentos da Missa.

O canto é a principal forma de expressão do laicado na liturgia, e o canto dos fiéis é o foco maior da música litúrgica. O papel tanto do órgão quanto do coro são apenas de suporte, para que o canto dos fiéis seja afinado e correto. Assim, é necessário que tanto o organista quanto os membros do coro, além, é claro, de um possível encarregado da amplificação, cuidem de que o som do instrumento e das vozes do coro jamais abafem as vozes dos fiéis reunidos. Ao contrário, até: o órgão e o coro servem de sustentação. O órgão, por suas características musicais próprias, tem o dom de tocar ao mesmo tempo todas as vozes, tornando possível a todos os fiéis, homens, mulheres e crianças, encontrar qual delas lhe é mais apropriada e assim unir-se, sem desafinação, à música de toda a assembleia. Isto não é possível com instrumentos como o violão, que não apenas é incapaz de tocar as notas sustentadas que são necessárias para que todos os membros da assembleia consigam encontrar seu “nicho” na música e cantar sem medo de errar, mas também, pela curta duração de seu som, acaba sendo tocado, no mais das vezes, como se fosse um instrumento de percussão, com as cordas sendo todas atingidas quase simultaneamente ritmicamente por um plectro (palheta). É exatamente o contrário do preconizado para a liturgia. Um quarteto de cordas clássico poderia cumprir, ainda que não tão bem, o papel do órgão. Um violão, contudo, simplesmente não tem lugar na liturgia. Seu lugar é nos salões de concerto e palcos do mundo secular, junto com o piano (um instrumento de percussão, aliás), o saxofone (meu instrumento), etc.

O necessário, portanto, é simplesmente voltar ao que deu certo por mais de mil anos, e sustentar as vozes dos fiéis com o instrumento adequado — que é o órgão — e, idealmente, um coro bem treinado que possa garantir que o todo saia afinado e conducente à oração e ao recolhimento. Basta ver, aliás, como hoje em dia gravações de canto gregoriano são vendidas como “música relaxante” em ambientes acatólicos: isto ocorre justamente porque suas características (ausência de ritmo, intervalos musicais pequenos, sem grandes saltos, que são difíceis para a voz não treinada, etc.) realmente conduzem a um estado de mente que nos faz sair da prisão de uma realidade de plena conectividade. Assim como se deve desligar o telefone celular na igreja, deve-se desligar a música do tipo que o acompanha lá fora. Voltar ao canto gregoriano, além de ser ordem expressa do Concílio reiterada inúmeras vezes pelos Santos Padres, é questão de bom senso, especialmente em um momento especialmente frenético, como são os dias em que vivemos. É preciso sair dali. É preciso deixar de lado o baticum, a excitação nervosa provocada pela música popular. O coração humano tem a tendência de ritmar simpaticamente suas batidas com ritmos que nos cerquem, especialmente quando a amplificação é demasiadamente alta. É por isso que os tipos de música popular mais propícios à animação, à dança, da bourrée ao rock, têm normalmente entre 100 e 120 batidas por minuto. Trata-se de uma frequência pouco acima da frequência cardíaca de uma pessoa normal, o que faz com que seu coração bata mais rápido tentando alcançar a batida que ressoa pelo corpo, e assim excitando-a e fazendo com que tenha vontade de dançar. E, convenhamos, é difícil cogitar de um lugar pior para se dançar que a igreja, durante a Missa!

Esta é outra razão pela qual a música do órgão e do coro devem ter volume adequado, o que no mais das vezes, com raríssimas exceções, significa não usar amplificação externa alguma, deixando-os apenas situados em uma tal posição que o som chegue sem obstáculos a cada fiel. A posição ideal, descoberta pela Igreja há séculos, é a do dito “coro”: um jirau por cima da porta de entrada, virado para o altar. Assim matam-se dois coelhos com uma cajadada só: o som chega a todas as partes da igreja sem que seja necessário amplificá-lo (coisa que é dificílima de fazer efetivamente, no mais das vezes provocando o péssimo erro de amplificar demais), e tanto o organista quanto o coro ficam livres de qualquer tentação histriônica, por ficarem fora da vista dos demais fiéis. A música litúrgica não é nem pode ser um espetáculo, sob pena de prejudicar a liturgia. Ela faz parte da liturgia enquanto música apenas, não havendo necessidade alguma de os músicos serem vistos. Aliás, a primeira medida para começar a recuperar a música litúrgica, além, claro, de levar embora os instrumentos de percussão em senso lato e estrito, é colocar os músicos em seu devido lugar (no alto e atrás) e retirar a amplificação.

A amplificação das vozes de quem canta também causa problemas sérios de outra espécie. É da nossa natureza que queiramos mostrar aquilo que fazemos bem. Por isso, é comuníssimo que cada coro tenha o seu “Caruso”, “Nélson Gonçalves” ou “Pavarotti”, cujo vozeirão ribomba por toda a igreja quando se lhe dá um microfone regulado para o mesmo volume final que o dos outros componentes do coro. Regular uma mesa de som para amplificar ou gravar as vozes de um coro é tarefa árdua, mesmo para um bom técnico de som. A não ser que se dê um microfone a cada membro do coro, coisa que não vale a pena fazer e acaba criando outros problemas técnicos que aqui não vale a pena mencionar, é preciso colocar os cantores em posições fixas no chão, para que as vozes mais potentes fiquem mais afastadas dos microfones, separando-os ainda por naipes (vozes mais agudas, mais graves, etc.) para que o que é captado em cada microfone seja susceptível de regulagem, e por aí vai. Em outras palavras: simplesmente não vale a pena, a não ser no caso de igrejas com péssima acústica. É melhor eliminar os Carusos litúrgicos pela eliminação da amplificação do coro: assim uma voz tonitruante, por mais potente que seja, irá apenas unir-se ao mar de outras vozes, contribuindo sem atrapalhar. Afinal, a onipresença de um vozeirão forte e afinado, muito acima do volume da própria voz de cada fiel, é uma das razões mais comuns para que os fiéis abstenham-se de cantar: se o Caruso está dando seu dó de peito, para que me preocupar? Quem sou eu perto desse trombone humano?

O problema da amplificação é múltiplo. O primeiro problema, e mais evidente, é a dificuldade de acertar o volume final. Uma igreja vazia ressoa mais que uma igreja cheia, pois as ondas sonoras encontram mais obstáculos rígidos e lisos onde refletir-se quando os bancos não estão ocupados por pessoas. As pessoas e suas roupas fazem o mesmo efeito das caixas de ovo com que se forram as paredes dos estúdios, quebrando a linearidade e a dureza daquilo que poderia refletir demais as ondas sonoras. Assim, uma igreja cheia demanda uma amplificação maior que uma igreja vazia. Mas isto não significa que o volume deva ser aumentado loucamente. Não, o problema é totalmente outro. O técnico de som (pois isso é um ofício que demanda treinamento; deixar isto na mão de leigos ignorantes é tão idiota quanto entregar imagens sacras antigas às velhinhas da paróquia para que as “restaurem”) deve procurar identificar as frequências que ressoam mais e menos, coisa que depende da arquitetura da igreja, da posição das caixas de som, da frequência mais comum usada pelo órgão, pela altura (mais grave ou aguda) e timbre (metálico, suave…) da voz do celebrante, dos leitores e comentaristas, etc., para poder filtrar umas e aumentar outras, mexendo no volume final apenas depois de tudo acertado. E o volume final, por sua vez, deve ser baixo. Muitíssimo mais baixo que o que é de hábito no século.

Afinal, como já insistimos bastante, a função da música tocada pelo organista e pelo coro é sustentar o canto dos fiéis. Sustentar; nem abafar sem substituir. Isto significa que nem o órgão nem o coro devem poder ser ouvidos acima das vozes dos fiéis. Quando todos estiverem cantando, as vozes dos fiéis é que devem abafar o coro e o órgão, não o contrário. Coro e órgão estão lá para a hora em que as vozes dos fiéis falsearem; neste momento o som daqueles que estão mais bem treinados vai reconduzir as vozes ao ponto certo. É exatamente por isto que um coro bem posicionado e um órgão não devem ser amplificados eletronicamente: o som de várias vozes humanas e de um órgão eletrônico já tem o volume adequado para a sustentação do canto. Amplificá-los corre o risco de abafar as vozes os fiéis ou mesmo substituí-las, coisa a ser evitada. Apenas no caso de igrejas modernas, com acústica péssima, deve-se recorrer à amplificação. E mesmo nestes casos, ela deve ser feita com muito cuidado, com caixas de som instaladas por engenheiro competente para que o som do coro e do órgão pareçam vir de todos os lugares ao mesmo tempo, ao contrário dos demais sons. Já tratei disso em outro texto.

Afinal, evidentemente, a amplificação não é usada apenas para a música na liturgia. As vozes do padre, dos leitores e salmista e do comentarista também costumam ser amplificadas. Esta amplificação também demanda muito cuidado: baixa demais torna difícil ouvir o que dizem, e alta demais ressoa por toda a igreja e (coisa a evitar a todo custo!) torna-se um barulho de fundo alto o bastante para que muita gente mal educada se sinta à vontade para puxar papo com o vizinho de banco. Mais uma vez, do mesmo modo, o ajuste fino da mesa de som vai depender da voz do padre, dos ruídos ambientes (ventilador, ar condicionado), da arquitetura da igreja, da quantidade de pessoas… Em outras palavras: é outro caso em que a solução (amplificação) acaba criando um problema mais grave que o problema inicial (fazer com que se ouça o que é dito na liturgia). Em todo caso, outra coisa a se buscar quando da amplificação destas vozes é garantir que elas cheguem aos fiéis vindas da frente da igreja, onde estão o presbitério e o ambão, não de todas as partes, como o coro e o órgão. Afinal, o órgão e o coro estão ali justamente para se misturar às vozes dos fiéis, como o sal na comida ou o fermento na massa; já o que vem do presbitério vem-nos, em última instância, de Deus. É necessário que percebamos aquilo como “outro”, que jamais se mistura às nossas próprias vozes. Quando isto ocorre — especialmente se o volume dos microfones estiver alto demais, o que é mais regra que exceção — começa o papo paralelo.

Como regra básica, o volume dado pela amplificação às vozes do presbitério e ambão deve ser baixo o suficiente para que chegue a cada fiel como a voz de uma pessoa conversando em tom mais baixo que alto, forçando os fiéis a calar-se e prestar atenção. É da natureza humana ignorar o significado de um som alto demais, atendo-se apenas ao significante. Daí o sucesso dos shows de rock, com suas caixas de som retumbantes: neles o meio é a mensagem. Já na liturgia, o meio é meramente o meio, e o fim é o culto a Deus. Não se vai à Missa para deliciar-se com vozes incompreensíveis que parecem trovões, sim para a perfeita adoração ao Deus único, Que tem algo a nos dizer pelas leituras, homilia, etc. Para que O ouçamos, assim, devemos prestar atenção. E um volume que nos force a fazê-lo por não ser alto o bastante para ser ouvido por cima de conversas paralelas e ao mesmo tempo nos permita fazê-lo por não ser baixo demais é, destarte, o adequado. Nem preciso dizer, imagino, que é um excelente investimento para a paróquia pagar um curso de técnico de áudio para o sacristão (pelo custo atual de cerca de quinhentos reais), ou mesmo contratar um técnico para ajustar a mesa antes e durante cada Missa. Ao menos as dominicais; nas missas feriais, vale mais a pena simplesmente não usar amplificação alguma.

Notem que não estou querendo apavorar nossos bons párocos, mandando-os (quem seria eu!) gastar o parco dinheiro da paróquia com a compra de um órgão e a contratação de um organista, talvez de um mestre de coro para a Schola, de um engenheiro para a instalação da amplificação e de um técnico para ajustá-la quando necessário (ou seja: três ou quatro vezes por Missa, a cada vez que o mesmo microfone — do ambão, por exemplo — é usado por uma pessoa diferente). O que estou dizendo é que este são gastos que fazem parte da manutenção do culto divino. Desta forma, levantando-se o dinheiro, é prioritário empregá-lo num destes fins que em coisas menos importantes, como cuidar do piso do adro ou fazer a pintura externa da igreja. O culto litúrgico Deus é a razão de ser da paróquia. E para que o culto seja feito corretamente, ele deve conduzir a Deus acidentalmente como já conduz essencialmente. Para que este seja o caso, é preciso que o sistema de amplificação colabore ao invés de atrapalhar, que a música seja adequada, etc. Estes gastos devem ser considerados como de prioridade parelha à da obtenção de paramentos adequados, do cuidado com as imagens e altares, ou mesmo da compra de hóstias. São gastos necessários para que o culto se desenrole devidamente. Sem eles pode-se economizar um dinheirinho, mas grande mal se estará fazendo às almas dos fiéis.

Uma paróquia que siga estas recomendações dará um enorme passo na sacralização acidental do que já é de por si essencialmente sagrado, e com isso na real participação dos fiéis nas Santas Missas, para maior proveito e santificação deles. Que Santa Cecília ilumine nossos párocos e os faça abraçar esta idéia!

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